Fim de primavera. Sol escaldante e calor insuportável. Ela é acordada com vagar e com afetuosas palavras que a fazem sorrir. Reclama e diz que as pessoas não devem tomar banho duas vezes por dia. Difícil convencê-la de que este é o seu primeiro banho do dia, mas tudo se resolve e ela reaparece perfumada, sorridente, com um colar de pérolas cinza, anel de ouro e relógio de prata. É assim que ela gosta de se ver no alto de seus cem anos (ou mais, quem sabe?). Cabelos curtos inteiramente brancos, menos rugas do que o esperado, pele macia e clara. Não dispensa os cremes, o gel, a lingerie, o esmalte carmim nas unhas das mãos e dos pés impecavelmente arrumadas pela manicure que preserva ao longo dos anos. Orgulhosamente, apresento Alexandra, minha mãe, uma senhorinha toda feita de amor, de graça e de beleza.
Olho para minha mãe que dorme serenamente no sofá de sempre. Passo a mão pelo seu rosto e lamento por vê-la tão pequenina e tão indefesa. Vontade grande de vê-la novamente andando pela casa executando as tarefas do dia a dia com a presteza de uma formiga. Fecho os olhos e as lembranças me vêm claras e fortes – lembranças boas e outras não tão boas. Penso agora que preciso não me esquecer de nada, porque sei que entre ela e eu não há espaço. A minha vida se confunde com a dela. A história dela se mistura com a minha.
Lembro-me das primeiras histórias que conheci a respeito de minha mãe. Imigrante libanesa, veio ao Brasil com meu pai e aqui criou as filhas. Na sua terra natal, deixou mãe e irmãos que jamais a procuraram – fora completamente abandonada pela família. Eu não entendia bem este abandono, mas sentia a sua dor no seu canto das madrugadas, quando fazia queijos para serem vendidos. E eu chorava muito ao ouvir as melodias entrecortadas pelos seus soluços. Eu era criança e já havia aprendido a odiar as pessoas que a faziam chorar. Era uma raiva que eu carregaria para sempre.
Soube ainda que, ainda na casa dos pais, levou uma vida cheia de mimos e cuidados. Era um exemplo do bem vestir. Politizada, sempre foi uma mulher à frente de seu tempo e nada a detia – transgrediu o quanto pôde, fez as próprias escolhas, cometeu erros e acertos, assumiu as consequências e jamais aceitou as negativas que a vida lhe enviou.
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